“O bom jornalista deve ser empreendedor”
Por Raul Monteiro Fonseça”
É preciso sair da caixa. Perder o purismo e a suposta condição de indivíduo que está além do bem e do mal, bem longe das ondas cada vez mais agitadas do mercado. O jornalista é um profissional como qualquer outro. Precisa aliar aos pré-requisitos técnicos e morais para o exercício da atividade a preocupação com o desenvolvimento de sua carreira.
Traçar metas, corrigir rotas, estabelecer sua missão pessoal para além da missão da própria profissão não é uma exigência exclusiva de outros ramos profissionais, nem tema de pautas que dizem respeito apenas à vida de outras personagens. Para a diretora de redação da Você S.A., Maria Tereza Gomes, o jornalista precisa repensar a maneira de olhar sua atividade.
Dispor-se a encarar conceitos que pareceriam cativos à cena empresarial, como trabalho em equipe, liderança, perseverança e qualificação permanente é o mínimo que quem efetivamente gosta da atividade pode fazer para enfrentar o jogo duro que tende a se estabelecer cada vez mais nas redações, aconselha, nesta exclusiva, cujas melhores trechos reproduzimos abaixo.
Maria Tereza Gomes participou, ao lado de profissionais como o assessor de recursos humanos de A TARDE, Alberto Bocco, do “Talk show com notáveis”, evento promovido pela Santorini Cultura e Turismo, com o apoio do jornal, no Bahia Pestana Hotel.
P – A questão da especialização do jornalista, em boa medida determinada pelo surgimento das editoriais, dominou o debate acadêmico e profissional durante décadas em nossa atividade. Hoje, vimos o surgimento cada vez maior de publicações especializadas em temas ou áreas pressionando pela formação não só de especialistas, mas de profissionais jornalistas com determinados perfis. É possível dizer que estamos vendo o surgimento de um espécie de “jornalismo de mercada”, em que interesses de públicos específicos estariam sendo colocados à frente do que tradicionalmente fomos levados a entender como interesses jornalístico?
R – Eu acredito que a carreira de jornalista, assim como todas as outras, está passando por uma evolução. Estamos saindo do “jornalismo romântico” para o jornalismo profissional. Isso não acontece apenas porque os jornalistas hoje vão para as faculdades, tiram diplomas, são treinados. Ninguém mais quer ser subempregado, mal pago e ter três empregos para sobreviver. Todos querem ser bem remunerados e ter modernas ferramentas de trabalho (computadores, internet, etc). Isso acontece também porque as empresas jornalísticas estão se modernizando. A maioria hoje já tem ou está contratando executivos para tocar os negócios. Elas já aprenderam o conceito de lucro e produtividade – e cobram isso de sua equipe. Não acredito que essas mudanças estejam ferindo os princípios básicos do jornalismo. Eu trabalho na maior editora de revistas da América Latina, uma empresa altamente focada em resultados, e nossos princípios éticos continuam intocáveis. É uma das poucas empresas jornalísticas do País que não aceitam, por exemplo, convites para viagens.
P – Em “When MBAs rule the newsroom” (“Quando MBAs governam as redações”), o jornalista Doug Underwood faz severas críticas ao “jornalismo para leitor” que tem marcada a linha editorial das grandes corporações jornalísticas nos Estados Unidos. Estamos vendo nascer o mesmo tipo de jornalismo no Brasil?
R – Eu acredito que essa é uma discussão inútil. Para quem escrevemos senão para o leitor? Com certeza, eu não escrevo só para minha mãe. Eu quero que a maior quantidade possível de pessoas possam (e queiram) comprar a minha revista. É isso que a sustenta. Por outro lado , o jornalismo americano bandeou drasticamente para o que chamam de “showjornalismo” – o jornalismo que vira show. Isso já acontece em grande medida, sim, no Brasil e muito especialmente na televisão. O fato é que há uma linha tênue hoje separando o jornalismo do entretenimento. A sociedade precisa decidir o que quer.
P – O uso cada vez maior das pesquisas nas redações com o objetivo de aferir interesses ou demandas do leitor pode ser visto como a confirmação da subordinação do freling ou do faro jornalístico a técnicas avessas ao que o jornalismo sempre professou?
R – Nenhuma pesquisa irá substituir o jornalismo investigativo. Jamais. Entretanto, na medida em que os veículos passam a ser vistos como centros de resultados, as pesquisas ajudam a batizar o conteúdo, corrigir a rota editorial e, portanto, podem até salvar os veículos de serem fechados e colocar mais gente nas ruas.
P – Quais são as alterações mais perceptíveis no perfil do jornalista nos dias de hoje?
R – O jornalista está descobrindo que precisa continuar estudando. Muitos estão fazendo MBAs, especializações, mestrados e cursos rápidos. É esse o caminho. Há mais jornalistas no mercado do que empregos e quem quiser manter-se numa redação não pode se descuidar da sua formação. Quando me formei em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná, em 1986, só havia esse curso em Curitiba. Hoje, já são pelo menos seis. Enquanto isso, as redações estão cada vez mais enxutas.
P – Como editora de uma revista que tem tiragem mensal de 270 mil exemplares, que provavelmente vive também às voltas com seleção de pessoal, que tipo de problemas mais freqüentes você identifica no currículo de jornalistas que eventualmente se candidatam a trabalhar na Você S.A.?
R – Na verdade, a pior maneira de tentar entrar aqui é via currículo. Até agora, ninguém foi contratado assim. O que conta mais é a indicação de quem já trabalha aqui ou de outros colegas. Não creio que isso aconteça somente conosco. Acho que é característica de nossa profissão.
P – Em que medida as dicas que normalmente são dadas para o desenvolvimento profissional de outras carreiras podem ser aplicadas também à de jornalista?
R – Todas podem ser aplicadas ao jornalista. Qualidades como trabalhar em equipe, liderança, perseverança e qualificação técnica são requeridas hoje em todas as redações.
P – Ao jornalista pode ver a ser exigido também um perfil de profissional empreendedor, que busca, além de investir na própria carreira, interferir nos destinos da organização para a qual trabalha ou isto é incompatível com a atividade jornalística?
R – Acredito que todo bom jornalista deve ter um pouco de empreendedor. Digo isso porque há características similares nos dois: pensar diferente do que os outros estão pensando, buscar alternativas, encontrar soluções inovadoras e assim por diante. Indo direto à sua pergunta, eu diria que o jornalista pode seguir em duas linhas: assumir funções executivas (editor, editor-executivo, diretor de redação) ou crescer como repórter. É uma opção de vida e de carreira. As redações já estão descobrindo que precisam manter os dois e remunerá-los igualmente. Não importa qual a escolha que o jornalista fizer – ele irá influenciar nos destinos da publicação, seja com uma gestão eficiente dos recursos existentes, seja produzindo reportagens de destaque.
P – O que diferencia um jornalista de revista e que tipo de preparo você recomendaria a quem quer trabalhar em revistas?
R – São suas redações completamente diferentes. No jornal, impera o barulho, a pressão do prazo, as notícias correm soltas. Numa revista mensal, trabalhamos até mais que num jornal (as equipes são muito enxutas), mas somos mais silenciosos e menos pressionados pelo relógio. Não temos foco no dia-a-dia das notícias. Não queremos saber quanto subiu a inflação. Queremos saber o quanto, no longo prazo, isso afetará os empregos. No final das contas, buscamos as mesmas coisas: impactar as pessoas (os leitores). Quando eu fazia Jornalismo, sonhava em um dia fazer aquela matéria que iria mudar os rumos do País. Atualmente, com o que foco, descobri que estou fazendo exatamente isso ao ajudar a melhorar a qualificação do profissional brasileiro. Com isso, nós seremos mais competitivos como Nação.
*Reprodução de entrevista publicada originalmente no caderno “Emprego & Mercado”, do jornal A TARDE, em 15 de dezembro de 2002.